Óptica Adaptativa em Astronomia 

Exame de Doutoramento
Apresentado em 30 de Março de 1999
Irapuan Rodrigues

Sumário
1. Introdução
        1.1 O seeing atmosférico
        1.2 O limite de difração
2. Distorções atmosféricas da frente de onda
        2.1 Turbulência atmosférica
        2.2 Estrutura espacial da frente de onda
        2.3 Variações temporais da frente de onda
        2.4 Dependência com o comprimento de onda
3. Medindo as distorções da frente de onda
        3.1 Sensores de frente de onda
                3.1.1 Foucault
                3.1.2 Interferômetro de cisalha (Shearing Interferometer)
                3.1.3 Hartmann-Shack
                3.1.4 Sensor de curvatura
4. Corrigindo as distorções da frente de onda
        4.1 Componentes do sistema
        4.2 Estrelas como fonte do sensor
        4.3 Criando estrelas artificiais
5. Status atual
        5.1 Sistemas presentemente em funcionamento
        5.2 Projetos GEMINI e SOAR
        5.3 Uma aplicação não-astronômica
6. Referências




Figura 1: Sistema de Óptica Adaptativa como originalmente proposto por Babcock (1953). Apesar de o hardware usado atualmente ser diferente, o princípio continua o mesmo. F imageia a pupila  de entrada no espelho adaptativo (EIDOPHOR), cuja forma é servo-controlada pelo sensor de frente de onda (WFS) (neste caso uma faca de Foucault giratória K). O separador de feixe manda parte da luz para o observador e parte para o WFS. A placa tip-tilt (C) remove o movimento oscilatório da imagem.






1.1. O  seeing atmosférico

     Seeing: medida da qualidade de imagem de um telescópio - FWHM de uma imagem estelar bem exposta.
    Pode ser ditado pelo limite de difração do telescópio, caso ele esteja livre dos efeitos da atmosfera, ou pelo efeito causado pela atmosfera.

    A atmosfera provoca:

    Causas: irregularidades variáveis nos índices de refração da atmosfera por não-homogeneidades térmicas, variação na concentração de vapor de água, camada de ozônio na estratosfera.     Cintilação depende da  abertura do telescópio: as variações na  intensidade da frente de onda são locais, provocadas por células na atmosfera que têm cerca de 20 cm. Uma abertura maior faz a média sobre uma  fração maior da frente de onda,  perturbada por um  número maior de células.

1.2 O limite de difração

    Todos os telescópios têm um limite intrínseco à sua resolução angular devido à difração da luz na sua abertura. Quando um continuum de componentes de ondas passa através de uma abertura, a superposição dessas componentes resulta em um padrão de interferência construtiva e destrutiva. Para instrumentos astronômicos, a luz que chega é aproximadamente uma onda plana (fontes muito distantes). Nesse limite ocorre a difração de Fraunhofer.

    Resolvendo a  integral de Fraunhofer obtém-se a função de onda no plano da imagem. Isso nos permite deduzir o padrão de intensidade que uma fonte puntual produz, que é conhecido como Padrão de difração de Airy.
 
 

DAMN! It didn't work!

Figura 2: Padrão de difração de Airy.




    84% da intensidade total se concentra no círculo central do disco de Airy. Os anéis  escuros de interferência destrutiva ocorrem em tex2html_wrap_inline244, ... (a: raio da abertura).
    Critério de Rayleigh para a resolução de duas fontes puntuais: quando o máximo central de uma das imagens cai no primeiro mínimo da outra:

equation55

O disco de Airy tem um raio angular tex2html_wrap_inline246, então o raio do disco central é
equation57
 
 

DAMN! It didn't work!
Figura 3: Critério  de resolução de  Rayleigh

(Detalhes)
 

(sumário)

 

2. Distorções atmosféricas da frente de onda






2.1 Turbulência atmosférica

    Flutuações turbulentas nas velocidades dos ventos na atmosfera superior misturam níveis de diferentes temperaturas, densidades e concentrações de vapor d'agua. Os índices de refração dos diferentes níveis flutuam. A frente de onda incidente no telescópio sofre variações espaciais e temporais em fase e amplitude.

    Turbulência: processo não-linear ===> governada por equações não-lineares.
    Kolmogorov (1941) usa métodos estatísticos para desenvolver uma teoria de turbulência: assume que as flutuações na velocidade dos ventos são campos randômicos localmente quasi-homogêneos e isotrópicos para escalas menores que os maiores turbilhões de vento.

(Detalhes)
 

2.2 Estrutura espacial da frente de onda

   Pela teoria de Kolmogorov, a função de estrutura de fase através da abertura de um telescópio é

                                D(r) = 6.88 ro-5/3r5/3 rad2

    Essa equação diz como varia o valor esperado da diferença quadrática média de fase de uma frente de onda, quando se mede em 2 pontos separados por uma distância r no plano da abertura do telescópio.

    ro é o comprimento de coerência (parâmetro de Fried) . ro dependente do comprimento de onda  e da distância zenital , e é dados por:

               ro = 0.185 6/5 cos3/5(Cn2 dh)-3/5

   O diâmetro angular de uma imagem estelar (FWHM) é:

/ro         para ro < D    (diâmetro da abertura)
/D         para ro > D

                 Valores típicos de rpara 5000 Angstr.  ====>  20 cm para  ~ 0.5''
                                                                                         10 cm para  ~ 1''
                                                                                           5 cm para  ~ 2''

    A função de estrutura de fase permite derivar um perfil de imagem que está em bom acordo com os perfis observados (descontando-se os efeitos das imperfeicoes ópticas dos telescópios).

    Para descrever a frente de onda para uma abertura circular (telescópio), é útil expressar as variações de fase em termos do conjunto ortogonal de polinômios de Zernike Zj(n,m), onde n é o grau de um polinômio radial e m é a freqüência azimutal de uma onda seno/cossenoidal. As tabelas 1 e 2 mostram versões normalizadas dos termos de baixa ordem de Zj(n,m), indicando o seu significado e a média quadrática da amplitude residual j nas variações de fase na abertura de entrada do telescópio causadas pela turbulência de Kolmogorov depois da remoção dos primeiros j termos.
r é a distância ao centro do círculo.

VER TABELA

    Para grandes j temos:
        j ~ 0.2944 j-0.866(D/ro)5/3 rad2.
  Da tabela pode-se calcular a variação de fase RMS através de uma abertura circular sem qualquer correção:
        RMS = 0.162 (D/ro)5/3 ,
e depois da correção para o tilt em ambas direções:
        RMS = 0.053 (D/ro)5/3.
    Podemos ver que a maioria das variações de fase podem ser removidas por métodos simples de guiagem.

    Para medir a qualidade da correção feita num  telescópio usa-se a razão de Strehl (SR),  que é a razão da intensidade do pico central de uma imagem puntual pela intensidade central calculada do padrão teórico de difração do telescópio.

    Por exemplo: em um telescópio de 8 metros, sob um seeing de 0.75 arcsec, se quisermos corrigir sua imagem de forma a obter um SR=80%, devemos incluir 3640 termos de Zernike.

2.3 Variações temporais da frente de onda

  A variação temporal na frente de onda é predominantemente determinada pela velocidade dos ventos nas diferentes altitudes na atmosfera, já que os elementos turbulentos responsáveis pelo seeing duram mais que o tempo que o vento leva para se mover através do seu diâmetro. (---> O elemento turbulento sobrevive à passagem do vento.)
    A velocidade típica dos ventos é Vwind= 10 m/s, freqüentemente alcançando os 30 m/s ou mais na altura da tropopausa (~12 km). As direções e velocidades dos ventos variam com a altitude, fazendo com que o comportamento da frente  de onda seja complexo e difícil de caracterizar. Escalas de tempo típicas (para telescópio de 8 m e seeing 1'') são (Parenti 1992; Parenti & Sasiela 1992):

para mudanças na frente de onda:
     o ~ 0.314 ro/Vwind = 0.004 segundos
e para movimentos na imagem:
     motion ~ 0.314 D/Vwind = 0.25 segundos
 

2.4 Dependência do tamanho da imagem com o comprimento de onda

    Vimos  que: ro é proporcional a 6/5 é proporcional a /ro, assim:

é proporcional a -1/5.

    ==> Por isso imagens formadas através da atmosfera para 's longos são menores que para 's curtos.

            Imagens a 16 podem ter metade do tamanho angular de imagens a 5000 Angstr.
 
 

(sumário)


3. Medindo as distorções da frente de onda





3.1 Sensores de frente de onda

3.1.1 Foucault

    Babcock (1953) propôs que se usasse o teste da faca de Foucault para medir os deslocamentos (tilts) da  frente de onda. A faca é colocada no "plano focal". Com boa abroximação, a distribuição de intensidades que se observa representa os gradientes/tilts da frente de onda em uma direção perpendicular à da borda da faca.
    Para medir sobre toda a imagem há duas sugestões:

    O método não é usado atualmente.

3.1.2 Interferômetro de cisalha (Shearing Interferometer)

     Deslocando-se lateralmente parte do feixe incidente e superpondo as duas partes em um detector óptico, obtém-se padrões de interferência que correspondem à variação de fase da frente de onda na direção do deslocamento.
    Já que a distância entre franjas é proporcional ao usado, em geral usa-se redes de difração para obter deslocamentos que também sejam proporcionais a , obtendo assim o sinal de banda larga desejado.
    Para conhecer completamente as variações de fase na frente de onda, é necessário dividir o campo incidente em dois feixes: o feixe-x e o feixe-y. Cada um deles fornece a informação em uma direção.
 
 

3.1.3 Hartmann-Shack

    Este é o tipo de sensor de frente de onda mais usado. O arranjo de lentes forma um conjunto de imagens cujas posições se  relacionam com o deslocamento vetorial da  frente de onda na área coberta por cada lente.
    Em geral se usa lentes com dimensões que correspondam a ro.

    A figura acima mostra que a posição xcda imagem se relaciona com o deslocamento de fase h, sobre a sub-abertura por:

h = tan-1(|xc| / fl ),

onde fl é a distância focal da lente.
 
 

3.1.4 Sensor de Curvatura

    Toma-se uma imagem no plano Q, além do ponto focal. O padrão de intensidades que se obtém relaciona-se diretamente com a curvatura local da frente de onda.

 

(sumário)
4. Corrigindo as distorções da frente de onda





4.1 Componentes do sistema
 
 

     O espelho adaptativo pode ser:

Ver animação que ilustra a performance de um sistema AO

4.2 Estrelas como fonte do sensor

     A  maioria dos sistemas de AO atuais usa estrelas como fonte de análise da frente de onda. O problema é que são necessárias estrelas relativamente brilhantes no campo bem próximo ao objeto em estudo (ângulo isoplanático). Quanto mais afastada estiver a estrela de referência, pior será a correção, pois a sua luz segue um caminho diferente através da atmosfera. Isso reduz a cobertura da AO a uns poucos por-cento do céu nos  visíveis (no IR melhora).

4.4 Criando estrelas artificiais



 
 


 
 


(sumário)


5. Status atual





    Uma variedade de sistemas AO estão em operação em muitos dos principais observatórios astronômicos com resultados condizentes com as expectativas teóricas na melhoria da qualidade de imagem. Existem projetos para implementação de AO em vários outros grandes  telescópios. Todos os grandes telescópios de nova geração incluem esses sistemas como parte do seu design (GEMINI, SOAR, VLT, ...).

(sumário)
5.3 Uma aplicação não astronômica: oftalmologia

    Em situações normais, o olho humano tem uma abertura de 2 mm e,  graças à sua óptica, está muito próximo do limite de difração. Porém, quando o oftalmologista necessita realizar um exame de fundo de olho para verificar a integridade da retina, ele aplica uma medicação que dilata a abertura do olho a ~8 mm. Com essa abertura a ótica do olho se afasta muito do limite de difração, fazendo com que a imagem da retina apareça com muito baixa resolução, não permitindo a visualização de detalhes microscópicos.

    Uma solução é usar um sistema de óptica adaptativa. Uma luz é usada para formar uma imagem puntual na retina e a luz que retorna é enviada a um sensor de frente de onda, que mede as variações de fase introduzidas pelo olho e deforma um espelho adaptativo, através do qual se pode  obter imagens da retina com riqueza de detalhes microscópicos.

    Existe a idéia de se utilizar a óptica adaptativa na confecção de lentes segmentadas de cristal líquido. Um sensor de frente de onda mediria as variações de fase da frente de onda e controlaria cada um dos segmentos para corrigir qualquer tipo de aberração causada pela óptica do olho. "A lente perfeita controlada eletronicamente". É claro que hoje em dia não há tecnologia suficiente para implementar tal aparato com o grau de miniaturização necessário, mas... num futuro próximo...


 
 

6. Bibliografia





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